quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Polêmica espacial

Assim como na discussão sobre como tornar a banda larga um serviço acessível e disponível à maior parte da população brasileira, o governo também está em uma situação delicada quando pensa nas necessidades de comunicações satelitais do País para os próximos anos. A demanda é clara. Conforme o Brasil cresce e ganha posição de liderança na América Latina, conquista a sede dos Jogos Olímpicos de 2016, da Copa em 2010, pleiteia um lugar no Conselho de Segurança da ONU – o que pode aumentar a importância do Brasil como mediador de conflitos internacionais – e adquire novos e mais modernos armamentos de defesa, a necessidade de vigilância das fronteiras, de melhorar a comunicação para o tráfego aéreo ganha proporções nunca antes imaginadas.

O Brasil tem um projeto de um Satélite Geoestacionário Brasileiro (SGB) para atender a essas demandas estratégicas, o que é uma oportunidade enorme de desenvolver tecnologia nacional na área. Entretanto, quando esse assunto cai na discussão da iniciativa privada, a reação é de desconfiança e apreensão. O governo, especialmente os órgãos que lidam diretamente com o assunto, tem tido dificuldades de mostrar para as empresas que o SGB não vai competir com o setor privado.

Do lado do Ministério das Comunicações, a posição é muito clara. “Eu vou morrer dizendo que o SGB não vai competir com as operadoras do mesmo jeito que vou morrer dizendo que não vamos ressuscitar a Telebrás”, afirma Jovino Francisco Filho, gerente de projetos do Minicom. Já a Agência Espacial Brasileira (AEB), autarquia ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, aparentemente, não vê problemas se parte da capacidade do SGB puder ser vendida para quem precisar. “É como se eu contratasse um avião para me levar a um determinado lugar. Não me importo se outros passageiros viajarem junto”, ilustrou Thyrso Villela, diretor de satélites, aplicações e desenvolvimento da AEB no 9º Congresso Latino-americano de Satélites, evento promovido por TELETIME que aconteceu em outubro no Rio de Janeiro. O governo tem a intenção de usar o SGB para o que chama de “comunicações estratégicas”. Para o mercado, essa expressão é uma área cinzenta que no futuro poderá englobar serviços que hoje são prestados pelo governo, como o Gesac, por exemplo. “Alguém pode querer colocar a banda C para atender o governo, aí fica complicado”, afirma Lincoln Oliveira, diretor de engenharia da StarOne. O Ministério da Defesa atualmente utiliza dois transponders em banda X nos satélites C1 e C2, da StarOne. O coronel Paulo Mourão Pietroluongo, gerente da divisão de projetos especiais do Ministério da Defesa, calcula que em três anos precisará de mais oito transponderes. Segundo ele, hoje o Brasil tem 40 terminais em banda X, o que não é suficiente para equipar todos os navios e aviões. A necessidade brasileira, segundo ele, é de cerca de 200 terminais em dez anos. Comparativamente, o coronel mencionou que a Espanha tem dois satélites de uso exclusivo militar e mais de 350 terminais. Lá, o sistema é operado por uma empresa – que tem capital do governo, a Hisdesat. França e Inglaterra também têm satélites próprios, mas a operação do sistema fica a cargo dos próprios ministérios de defesa de cada país. Para o Ministério da Defesa, um outro problema que existe é a duração do contrato. Hoje, o contrato com a StarOne segue as regras usuais do mercado e, portanto, a cada ano tem de ser renovado. Para o coronel Pietroluongo, o “melhor dos mundos” seria um satélite exclusivamente para uso militar. Como o custo disso é muito alto, o ministério gostaria que os contratos tivessem duração maior. Com o SGB esse problema não existiria.

Frentes em conflito

Não é só a competição com o setor privado que tem gerado polêmica no setor. Em uma prova de que há pouca troca de informações nos diferentes setores do governo, o SGB é um projeto que hoje deverá ser harmonizado com uma das condições de compra da Brasil Telecom pela Oi. Paralelamente ao trabalho que está sendo feito pelo Ministério das Comunicações e pela AEB, a Oi apresentou à Anatel um proposta de criação de um satélite brasileiro. Essa proposta fazia parte das condicionantes impostas no ato da compra da Brasil Telecom. Agora, o governo brasileiro tem de harmonizar essas duas frentes. Jovino Francisco Filho, do Minicom, explica que o órgão está analisando a oferta da Oi e vai aceitála ou não. “A Oi é uma companhia brasileira e precisa de satélite. O Estado brasileiro precisa de mais capacidade. Será que nós não conseguimos ganhos de escala?”, pergunta.

Francisco Perrone, diretor de assuntos internacionais da Oi, explica que a proposta apresentada ao governo considera a necessidade futura de mais capacidade para o mercado, principalmente em banda Ku, capacidade em banda X para utilização do Ministério da Defesa e em banda L – faixa usada para controle do tráfego aéreo. Ainda não se sabe, portanto, como será a participação da Oi no projeto, e se será como parceira ou como cliente. De qualquer forma, uma coisa é certa: de acordo com Perrone, em 2012 ou 2013 a Oi precisará de mais capacidade satelital e esta será contratada de um satélite, brasileiro ou não. “Se o satélite não sair, nós vamos tocar a vida, normalmente”, diz ele. O executivo dá a entender que se o governo não aceitar a participação da Oi como cliente, ou como parceira que teria direito a uma certa capacidade no SGB, a companhia vai contratar mais capacidade em outros satélites.

O mesmo pode acontecer com o próprio governo brasileiro na condição de cliente, e o prazo é curto. O Ministério da Defesa – que recentemente equipou o porta aviões São Paulo com comunicação satelital – calcula que precisará de mais capacidade em cerca de três anos. Se o SGB sair até lá, tanto melhor. Se não, o próprio governo é que vai atrás de satélites privados para atender suas demandas.

Tecnologia nacional

O outro forte desejo do governo é utilizar o máximo possível de tecnologia nacional no SGB. Esse ponto, entretanto, é um fator que também gera polêmica. Na opinião de vários executivos do setor, a espera para que o Brasil desenvolva tecnologia para poder participar com peso no projeto pode atrasar muito o lançamento do satélite. “Para conciliar o atendimento de diversas demandas e o desenvolvimento de tecnologia nacional é preciso fazer concessões dos dois lados”, pondera Lincoln, da StarOne. Jovino Filho, do Minicom, contudo, explica que “nunca passou pela cabeça” a construção de um satélite 100% brasileiro e que se o Brasil puder produzir pelo menos as “porcas e os parafusos”, já é ganho. Uma sugestão apresentada para equilibrar o interesse de desenvolver tecnologia nacional e lançar o satélite de forma mais célere é dividir esse projeto em partes. O Ministério das Comunicações, aparentemente, gosta da ideia. “O meu sentimento é que vamos lançar um satélite para o atendimento mínimo e vamos continuar comprando o resto da indústria”, afirma o gerente do Minicom. A partir do lançamento desse primeiro satélite para atender as demandas mais urgentes, na visão do técnico, o Brasil teria tempo para lançar satélites menores com mais participação da indústria 35nacional e com carga útil compatível com os lançadores que o Brasil está desenvolvendo. Modelo A AEB fez um chamamento público para contratar estudos que atestem a viabilidade técnica, econômica e jurídica do projeto. A AEB, juntamente com os demais parceiros do projeto – Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) - devem escolher, entre três consórcios, o vencedor do chamamento. Até o fechamento desta edição, o consórcio vencedor não havia sido escolhido. O vencedor deverá apresentar os estudos em nove meses. Como o custo do projeto é elevado, um dos modelos que parece ter mais chances de dar certo é o da PPP. Thyrso Villela, diretor de satélites, aplicações e desenvolvimento da AEB, explica que esse estudo vai justamente mostrar a viabilidade, do ponto de vista jurídico, de utilização de uma PPP para a construção e operação de um sistema satelital. Além disso, o estudo pretende investigar a viabilidade econômica do projeto e a forma de participação do parceiro privado. “Aparentemente, existe uma grande possibilidade de que o modelo de PPP vá para frente”, afirma Villela. Uma outra possibilidade de financiamento do projeto, com menos chances de dar certo é a coparticipação orçamentária entre vários ministérios.

Em busca de uma identidade

A ideia de lançar um satélite brasileiro existe pelo menos desde 2002, quando o comando da Aeronáutica firmou acordos internacionais com a Organização Mundial de Aviação Civil (OIAC) para melhorar o controle do tráfego aéreo. No ano seguinte, o Ministério das Comunicações liberou recursos da ordem de R$ 10 milhões, através da Finep, para que fossem contratados estudos que identificassem as demandas estratégicas e militares e assim definir um escopo preliminar do projeto. Esses estudos foram feitos pelo CPqD, que ficou responsável pela parte de telecomunicações, e pela Atech, responsável pela parte aeroespacial. Os levantamentos foram entregues em 2006. Jovino Francisco Filho, gerente de projetos do Minicom, conta que a partir daí o ministério não sabia para quem mandar aqueles estudos, que acabaram sendo enviados à Casa Civil. “Se não houver um decreto instituindo o programa, como o decreto da TV digital, não tem como alocar recursos para este projeto¿, defende o técnico. “O SGB carece de uma identidade”, completa. O cronograma de estudos para viabilizar o SGB ainda foi prejudicado pela troca de presidente da AEB, em 2007. Em agosto daquele ano, o então presidente da AEB, Sérgio Gaudenzi, foi deslocado para a Infraero. Assumiu interinamente Miguel Henze, que tinha outras prioridades, o que acabou paralisando o projeto até março de 2008, quando Carlos Ganem assumiu a presidência da agência. “O doutor Ganem instituiu um novo grupo de trabalho para dar continuidade ao projeto”, explica Jovino.

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